terça-feira, 17 de fevereiro de 2009

Falling in Love

Adentrou o avião com um sentimento estranho. Procurou sua poltrona, intencionalmente longe das saídas de emergências (pois sabe que entraria em pânico caso algo acontecesse) e perto do corredor. Logo de início, afivelou o cinto de segurança de forma quase asfixiante e escondeu de sua vista qualquer escrito contendo normas de segurança e desenhos ilustrando situações de perigo. Implorou aos deuses para que ninguém sentasse ao seu lado, e, mesmo não acreditando em deuses, foi atendido. Enquanto uma linda aeromoça (serão todas elas lindas?) explanava a respeito dos dispositivos de segurança do avião e como portar-se em situações de risco, ele ligou o som portátil que trazia, de forma que, para ele, a aeromoça cantava "The Thrill Is Gone" enquanto manuseava uma máscara de oxigênio.

Agora, as turbinas estão ligadas. Neste momento, o avião começa a deslocar-se. Pronto, o avião aponta seu bico em direção ao céu. Sim, o aeroplano está definitivamente fora do chão. É o fim, ele está voando.

Enquanto aceita um copo de água com gás, servido por outra aeromoça, linda, diga-se de passagem, lembra-se de que não é a vontade de urinar que lhe incomoda, e sim aquela sensação estranha de que lhes falei na primeira sentença. Subitamente, como que sob o comando de uma chave-inglesa, ele vira a cabeça em direção à parte traseira do avião. "Entendo", é o que diz.

Começa a despencar escada abaixo. Primeiro degrau: a gola V de sua camiseta começa a apertar-lhe como uma gravata; Segundo degrau: suas mãos, de tão frias, lhe impedem de tomar o chá que acaba de ser servido; Terceiro degrau: sente sua poltrona afundar, talvez pelo peso de estar molhada com seu suor; Quarto degrau: o jornal que lhe entregam mais parece um daqueles testes de oculista, e, pelo esforço que faz para lê-lo, seu grau de miopia passa dos 18 ; Último degrau: como uma alucinação, sente que o avião passa por uma estranha turbulência.

Não, espere! Houve realmente uma turbulência. Foi esta que levou o piloto a informar-lhes que o avião estava em declínio, e levou uma das lindas aeromoças a chorar em desespero. E, quando ao passar os olhos por um dos passageiros, conseguiu ler de seus lábios "Nós vamos morrer", sentiu-se bem naquele avião como não havia sentido desde que entrou.

Tirou o sinto, correu em direção à poltrona dela, ajoelhou-se perante aquela moça de cabelos lindos e lhe disse:

"Querida, gostaria de nos desejar parabéns. Faz 5 anos que não nos vemos, não nos falamos, não nos tocamos, não nos relacionamos. Dou a mim, também, os parabéns, pois faz 5 anos que abandonei a vida que me foi cedida por meus pais para vagar este mundo como um defunto. Parabéns, mais uma vez, a ti, pois há exatos 5 anos atrás, tomou a decisão que mudou a vida de duas pessoas, da mesma forma que um deus do olimpo faz com seus adoradores. Creio que não te merecia, e talvez nunca farei por lhe merecer. Mas não há paixão neste mundo maior, não há amor neste mundo maior, não há admiração neste mundo maior, e não há vida sem você ao meu lado. Devo-lhe desculpas por adentrar sua vida sem pedir licença, sem enfrentar dragões, sem merecer sua mão, sem percorrer uma longa jornada de sacrifícios, sem a mínima noção de que meu coração passaria a não bater mais em razão da minha existência. Agora, que sei que posso lhe encarar e fitar seus olhos que tanto me deram alegria de viver, sem mentiras, sem falsidade, sem atuação, me sinto tão cheio do mais profundo e sincero sentimento, que nutri por ti desde o momento que lhe senti em minha vida. Eu te amo, minha querida. Te amo, te amei por essa vida, e hei de te amar por quantas mais puder desfrutar. Desde que me deixou, ansiei por este momento, não o da minha morte, mas do meu renascer ao seu lado. Este avião irá cair, minha fofa. Mas meu amor por ti, jamais".

E, enquanto as lágrimas escorriam e evaporavam nas primeiras chamas, os dois permaneceram abraçados, sem serem vistos através da cortina de fumaça, imóveis, inteiros, imunes a tudo e todos, prestes a tornarem-se um só, na iminência de serem cinzas espalhadas pelo vento, sem poderem distinguir se ali houve um ou uma, os dois, inseparáveis, indistinguíveis, unidos pra sempre, com amor, pelo amor.

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