quinta-feira, 12 de março de 2009

Prece

Domingo. Sozinho, o dia inteiro. Nada pra fazer, a mente pulsando como uma ferida. Pensa, pensa, pensa... Nada. Impossível manter-se são neste estado. Pra pessoas como eu (só pra não me descrever), este tipo de situação levará sempre à mesma coisa. Logo, peguei a leitura, coloquei debaixo do braço e dirigi-me ao local mais sagrado em qualquer morada: o banheiro. Precisava me distrair e aquilo parecia o mais sensato no momento.

Entrei, fechei a porta (atenção ao verbo), abri a minha leitura e comecei aquilo que tinha me levado àquele cómodo da casa. Quando estava no final, completamente absorto no ato, livre de tudo e todos no resto do mundo, a porta (indiscretamente, como deve ser) se abriu. Para que fique clara a imagem, estava eu na frente de um espelho, que é a primeira coisa que se vê ao abrir a porta do banheiro. Pois bem, da mesma forma que foi aberta, a porta avançou até um quarto de sua abertura e fechou, como que certa de que deveria ter sido trancada quando entrei.

Óbvio que a porta não abriu sozinha. Era minha pequena mãe quem manejava a maçaneta, e foi ela quem vislumbrou, pelo reflexo do referido espelho, aquele momento que deveria ser só meu. Sim, meus amigos. Aos 26 anos de idade, em um domingo de calor e solidão, fui pego pela minha própria mãe REZANDO COM A BÍBLIA NA MÃO.

Imaginem o desconforto deste que vos fala, vendo a porta abrir-se, sem reação, tentando desesperadamente esconder aquela bíblia e fingir que nenhuma prece estava sendo realizada naquele local. Imaginem isso para um rapaz de 26 anos, o qual nunca sonhou, em hipótese alguma, passar por tal vexame. Vinte e seis anos vividos para, em um maldito domingo como aquele, ser obrigado a mostrar-se para a própria progenitora com a bíblia na mão.

Céus, até hoje me dói a alma ao lembrar... Claro que não quero parecer moralista, suscitar que o ato de rezar é algo impuro. Muito pelo contrário, acho que é uma das formas mais interessantes de se entrar em contato com a religião. Porém, não há necessidade alguma de partilhar tal descoberta com a pessoa que te amamentou e te carregou no útero por nove meses.

Raios! É isso que acontece com pessoas que ficam muito tempo sem comungar. Há meses não encontro uma pessoa bacana, católica como eu, para comungar pelo simples prazer deste ato divino. Creio que o meu caso é ainda pior, pois não vejo graça nenhuma em me dirigir a locais como estas igrejas pastorais, estas orquestradas por bispos que carregam dólares na cueca. Acho que a prece deve ser feita por amor, buscando a identidade entre os parceiros, nunca pelo dinheiro. Fique claro que não quero recriminar as pessoas que vivem disso. Simplesmente, não é a minha onda.

Ademais, como se não bastasse o fato de estar sem uma parceria cristã, essa tal de internet nos leva a entrar em contato com a palavra divina a qualquer momento, em qualquer lugar. Até os celulares podem ser utilizados para se carregar a palavra do livro sagrado. Como, me respondam, por favor, pode um ser humano, no estado em que eu estava, após meses sem a comunhão, sedento pela palavra sagrada e rodeado de referências ao divino, permanecer imóvel a tal prazer?

Pois é, impossível. Não só por isso, tenho minha mente limpa, sem a chaga que é o remorso de um pecador. Realizei um ato do qual não me envergonho. Empunhei, sim, a bíblia na mão e rezei fervorosamente, até atingir o clímax. Aliás, não me envergonho por assumir que faço isso frequentemente. A única coisa de que me arrependo é não ter prestado atenção àquele pequeno trinco na porta do banheiro, o qual teria me salvo de toda a vergonha e faria deste texto uma simples ficção, não um vergonhoso relato.

Um comentário:

Carol disse...

Mas veja só: até agora não sei os limites da ficção e da realidade desse post. A mim me parece muito tênue a linha que separa a verosimilhança do texto.

Se verdade for, parabéns por dar a cara a tapa e pelo jeito de escrever. Se ficção for, parabéns pela história e pelo jeito de escrever.