segunda-feira, 23 de março de 2009

R$100,00 por uma viagem à Lua

Aconteceu. Domingo, pontualmente às 22h, o Radiohead tocou para trinta mil pessoas em São Paulo. Pouco antes disso, Los Hermanos e Kraftwerk haviam aberto o caminho pra catarse que foi o show dos britânicos. Infelizmente, perdi o show dos cariocas e, talvez pela empolgação ou pelo meu atraso, estava meio distante no show dos alemães. Mas, pra minha sorte, a noite ainda guardava muita coisa.

Devo salientar que me dei conta de que não tenho mais paciência para ficar em pé por mais de quatro horas, rodeado de pessoas folgadas, fazendo piadas sem graça e tentando parecer o mais cool possível. Foi com esse quadro que tive uma das maiores experiências da minha vida.

Thom Yorke e sua turma iniciaram o espetáculo (melhor palavra, impossível) conforme o esperado, com "15 Steps". Não era necessário muito pra ver que aquilo poderia ser a maior e melhor coisa vista por todos ali. O palco era um show a parte, com várias "estalactites" piscando e um telão dividido entre as várias câmeras colocadas em cada um dos integrantes.

Não é muito dizer que arrepia ver, após uma espera de quase 20 anos, a banda executando seu som bem na sua frente, de forma tão coesa e inebriante. Dava para perceber que o público gostou mesmo do novo disco, "In Rainbows". Praticamente todos cantaram "15 Steps" e isso se repetiria durante todo o show.

Em seguida, "There, There", uma das duas músicas tocadas do "Hail to the Thief". Sou suspeito para falar, pois acho esta uma das melhores composições do Radiohead. "The National Anthem" veio em seguida, marcada pelo baixo de Colin Greenwood, dando o tom do que seria aquela viagem. Aliás, é muito divertido ver Colin no palco, parecendo uma criança, contente por poder fazer parte dessa instituição chamada Radiohead (quem não ficaria?!).

"All I Need" é a quarta música do set e o primeiro momento em que fica bem clara a capacidade da banda, o dom de fazer 30.000 pessoas silenciarem e deixá-los totalmente envolvidos com algo que alguns gostam de chamar, simplesmente, de música. Particularmente, esse foi um dos muitos momentos em que me senti totalmente fora de órbita e com uma vontade incontrolável de declarar meu amor a uma certa pessoa.

"Pyramid Song" surge e, juntamente com "All I Need", leva todos os presentes para fora da Chácar do Jóquei, pra algum lugar que só quem estava lá pode confirmar. Fiquei muito feliz de vê-la ao vivo, uma das pouquíssima músicas do maravilhoso (para mim) "Amnesiac". Fica bem claro o talento, concentração e precisão de Phil Selway na bateria.

Logo após, um dos (vários) momentos mais esperados, "Karma Police". Linda, como de costume, cantada em uníssono. Aliás, após a música, ouvia-se nos auto-falantes o "for a minute there i lost myself" cantado pela platéia durante os refrões da música, mostrando que estávamos ali para fazer o show juntamente com a banda.

"Nude" trouxe um pouco mais de melancolia aos presentes, lágrimas para alguns e distância deste planeta e mais vontade de declarar o amor para este que vos fala. Como diz o título, era como se nada mais lhe cobrisse a alma.

A trinca "Weird Fishes/Arpeggi", "The Gloaming" e "Talk Show Host" veio para acabar com a noção de tempo de todos e deixar 30.000 bocas abertas, sem entender como os caras são capazes de fazer algo desse tipo.

"Optimistic" mostrou-se um dos pontos altos do show. O palco foi, mais uma vez, invadido por uma profusão de luzes capazes de deixar qualquer criança japonesa rolando no chão, exatamente como aquele rato do desenho japônes. Thom Yorke mostrava a todos os Chris Martin e Bono Vox do mundo que, felizmente, não há como conquistar milhões com fórmulas. O vocalista entregava-se a cada acorde tocado, cada palavra dita, cada momento vivido naquele palco. O final de "Optimistic" deixava bem claro que TUDO aquilo é bem verdadeiro.

"Faust Arp" e "Jigsaw Falling Into Place" entram para contribuir com a missão de tocar o "In Rainbows" na íntegra e, principalmente a última, preparar pra mais uma viagem fora de órbita, que veio com "Idioteque". "Iceage is coming, Iceage is coming", todos os ouvintes entregando-se cada vez mais e Thom Yorke fazendo questão de dizer que aquilo estava realmente acontecendo. Ed O'Brien e Johnny Greenwood mostram tudo que podem fazer sem uma guitarra, qualidade advinda com toda a piração pós-Kid A.

"Exit Music (For A Film)" e "Climbing Up The Walls" colocam vários "PQP!", "Meu Deus!" e "Não acredito nisso!" na boca da platéia. A primeira é avassaladora, uma das músicas mais intensas do Radiohead. "Climbing..." é tão soturna quanto e me fez acreditar que ver aquilo tudo era como estar e não estar em lugar algum. Deu até para ouvir alguém dizendo "Me passa uma navalha".

"Bodysnatchers" fecha a primeira parte do show colocando todos para balançar o esqueleto, mesmo que de forma completamente esquizofrênica.

Após alguns minutos, os caras voltam ao palco com uma sequência muito mais eficiente para cortar os pulsos com a navalha requisitada por aquele maluco. Primeiro, "Videotape" me arrepiou até o último fio de cabelo e eu agradeci aos céus por ter ficado sem bateria no celular, senão seria obrigado a fazer aquela bendita ligação ao meu "amor" (hehe).

"Paranoid Android" foi o primeiro golpe direto na alma. Ouví-la ao vivo é, definitivamente, tudo que eu esperava. Não ouve como não chorar enquanto aquele vocalista estraninho pronunciava "Come on rain down on me". Ao final, mais uma vez os auto-falantes tocaram a platéia cantando. Contudo, dessa vez Thom Yorke e seu violão participaram. Ao meu ver, o momento (musical) do ano.

"Fake Plastic Trees" foi uma surpresa bem agradável para mim e "Lucky" (junto com "Paranoid...") me deu a sensação de que posso, finalmente, morrer em paz. O primeiro bis é fechado com a maravilhosa "Reckoner", a melhor do "In Rainbows".

Até ali, estava claro que o Radiohead é capaz de lhe fazer acreditar que há esperança para a humanidade. Estar ali era, sem sombra de dúvida, especial para todos; fãs, não-fãs ou qualquer outra espécie. Parecia que ninguém mais se lembrava de nada, todos se olhavam de forma meio perdida, perguntando-se "O que é isso?!".

A banda retorna para seu segundo encore, trazendo a última música do "In rainbows", a linda "House of Cards". Em "You and Whose Army", Thom dá indícios de não ser deste planeta, conduzindo a música no piano, encarando a câmera de forma meio, hum, digamos... incomum e pedindo o apoio da platéia que, obviamente, mostra sua voz. Após mais esta viagem aos confins do universo, surge o meu último desejo do dia, "Everything in It's Right Place". Ao notar que o show aproximava-se do fim, eu senti que tudo estava (mesmo) no seu devido lugar, que nada estava errado, comigo ou com o resto do mundo. É o mais próximo que cheguei de um ritual religioso, de atingir algo muito maior, de se sentir bem, sozinho e completo, mesmo com 30.000 mil pessoas (de todos os lugares imagináveis) ao meu redor. Mais uma vez, fiquei em dúvida: "Como uma banda com um repertório tão melancólico consegue fazer alguém tão feliz assim?".

A banda sai durante um intervalo um pouco maior do que os anteriores e desperta uma certa impressão de que havia chegado o fim. Porém, dá as caras mais uma vez, agradece a platéia por tê-los recebidos e retribui com uma música que não estava planejada. "Creep" levanta aqueles que desmoronaram durante o show e traz ao chão os que estavam em órbita. A música só comprova que a espera pela banda foi grande. O palco dá a última demonstração do que é capaz, com uma luz branca que, acredito eu, deve ser exatamente como a que descrevem as pessoas que tiveram alguma experiência perto da morte. Ninguém ali é mais o adolescente da época em que a música foi lançada, mas todos cantam da mesma forma, gritam "You're so fucking special" e "I'm a Creep, I'm a weirdo", como se sentissem tão estranhos quanto uma debutante. E, devo assumir, foi muito bom.

A banda então se despede pela última vez, deixando um sentimento ruim em mim. Não pelo fato de que havia chegado ao fim e que, provavelmente, terei que esperar mais alguns anos pela próxima. Senti-me mal pelo fato de ter percebido que não seria capaz de fazer algo nem próximo do que eles fazem, que acordaria no outro dia e continuaria minha vida sem a sensação de plenitude ou a esperança experimentada nesse domingo.

Assitir ao Radiohead é mais ou menos isso. A verdade, só quem foi sabe qual é. Porém, não há como negar que trata-se de algo que qualquer ser vivo neste planeta deveria fazer antes de morrer.

Um comentário:

Carol disse...

Uau!

Não fui ao show, mas ao ler seu texto foi como se o tivesse feito.