domingo, 29 de março de 2009

Quinze passos e uma queda abrupta

Fechei os olhos e contei até quinze, esperando que a ânsia ou o vômito tomassem seu rumo. Felizmente, a ânsia deu o primeiro passo e eu, finalmente, pude me concentrar no que ela falava. Era uma voz tão doce, tão segura, tão aconchegante. Dizia coisas sobre mim, sobre o quanto eu não sabia lidar comigo mesmo, sobre o quanto atropelava as coisas e tornava tudo tão patético para os outros. Escutava mais do que ouvia. Não sou um completo lixo, ainda sou capaz de me sentir ofendido e magoado. Além do que, ela provavelmente estava certa e eu fiz por merecer aquilo.

Não precisei desviar muito o olhar para ver uma foto nossa na estante, sorrindo. Creio ser para isto que servem as fotos, para eternizar momentos. Ainda no meu campo de visão, duas garrafas de vinho, um frasco de comprimidos e uma passagem para algum lugar que, imagino, deva ser bem longe daqui. Mas é ela que me chama a atenção. Sempre linda, sempre chamativa, sempre e pra todo sempre ela.

Em dados momentos, sinto que deveria ter dito algumas coisas a ela, algumas poucas verdades, aquelas poucas que sobraram em mim. No fundo, até entendo que, ao menos para ela, essa mesma boca não seria capaz de mentir tanto e dizer poucas verdades ao mesmo tempo. Por isso calei-me e permaneci imóvel.

Percebi, finalmente, o que ainda a mantinha aqui comigo. Foram tantas coisas ditas que, definitivamente, ela não seria capaz de embrulhá-las nas poucas bagagens que levou, sair sem deixá-las onde deveriam ficar. A última palavra dita trouxe uma aura tão brilhante, ou até maior, quanto a que brilhava dela quando a conheci. Como se ela voltasse a ser a mesma, como se pudesse buscar algo novamente.

Quanto a mim, foi como se Mephistopheles me surrupiasse a alma. Orgulho nunca tive em quantidade considerável, não era isto que se esvaia. Alegria, felicidade e completude nunca foram palavras corriqueiras no meu diário, mas ainda assim não eram o que me passavam a faltar. Durante os quinze segundos de silêncio entre sua última palavra e meu único suspiro, notei que ia ficar sem ela. Era ela. O que me faltava e ia pra sempre faltar era ela. Talvez por, finalmente, ter perdido a noção do ser incompleto, não sabia mais o que havia me completado. Agora, vazio novamente, podia ver, ao menos de longe, na foto na estante, o que é estar completo.

Por saber que não era digno de tê-la, deixei-a partir sem uma única palavra minha. Agora, são tantas que não consigo ficar calado nem quando vou à padaria. Até o cobrador do ônibus já sabe o quanto penso, amo e necessito dela. Acredito mesmo que ela seja a única a não saber. Melhor assim. Melhor sem mim.

Uma propaganda enganosa, é isso que sou agora. Vendo-me por um preço até barato, iludindo aquelas que crêem estar diante de alguém interessado, afim de ficar, estar e ser. O que sou mesmo é uma pessoa a procura de alguém em outro alguém, sou um idiota em uma busca fadada ao insucesso. Idiota, pois sei onde ela está, sei o que quero. Pensando bem, talvez ela seja a idiota, pois é a única que não sabe que a quero mais que tudo.

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